Estou lendo um livro hipnotizante. A autora não poupa os leitores da realidade cruel que criou para os personagens. Amor que virou ódio. Magnetismo que virou repulsa. Lágrimas de sorte que se tornaram prantos de azar. Sofri, confesso. Porém, o pior veio nos próximos capítulos: me vi suspirando com o lindo começo do casal, mesmo já sabendo sobre o triste final. Isso me preocupou. Eu deveria estar protegendo a personagem em minhas emoções, torcendo para ela não ceder ao frio na barriga de se ver apaixonada e abrir a porta para essa atração. Uma paixão que a levará para dias a fio de desalento, após dias intensos de um amor invejável. Sinto que a desprotejo sonhando com seu amor juvenil. Ela não sabe da dor que virá, eu sei.
No livro vou percorrendo inícios e meios já sabendo sobre o final. Esse tipo de escrita tem uma grande serventia, a de dialogar com a ansiedade que habita em nós. É útil o ser humano desconhecer o seu amanhã. Haveriam argumentos capazes de convencer as pessoas a iniciarem histórias com começos felizes, mesmo sabendo que o fim seria como um caldo no mar de Copacabana? Desconfio que seriam poucos os que teriam coragem - conta-se nos dedos os que topam a dor porque aprenderam a lidar com ela.
Aqui começa a minha provocação para você. Eu te desafio a gostar de uma história da sua vida (já acabada), que te tirou o fôlego com inícios e capítulos cheios de “quero mais”. Volte lá naquele encontro com aquela pessoa que você queria tanto ter saído, e saiu. Rememora a sensação de finalmente estar indo encontrar alguém que você queria muito chegar mais perto, aquela pessoa que te dava medo e êxtase. É uma provocação para que você sinta o gosto da ambivalência dessas memórias iniciais, porque já viveu o fim. Não seja mais um daqueles que acha que todo final deve ser esquecido para sempre. Sinta a coexistência da grande alegria do início, mesmo havendo o desgosto do que tornou tudo uma história do passado.
Algumas histórias terminam com a gente achando o livro chato, outras com a gente querendo mais e mais. Sobre qual você acha que estou te desafiando a ressignificar?
Quase todos nós temos uma história da qual gostaríamos de ter nos protegido. Quanto mais a gente gosta, mais a gente se frustra quando os capítulos não saem como desejado. Mas, vamos lá: eu não quis proteger essa personagem do livro que estou lendo, e isso me faz desejar a mesma coisa para mim e para você.
O risco nos faz viver o que precisa ser vivido. Criar as experiências conforme elas podem ser desenroladas. Quem se protege da dor, também se protege da alegria.
Por isso, te desafio a lembrar do início de uma história que terminou em choro e, ainda assim, gostar dela. Já te aconteceu? A minha lembrança foi para um encontro esperado e ensaiado por uns dois anos. Medo. Coragem. É o amor da minha vida. Some da minha frente. Se identificou? Neste primeiro encontro, chegamos com roupas iguais, após anos de paquera ácida e temerosa. Lembro disso e dou risada, mesmo com DR 's entaladas. Alô, Disney! Camisa preta e calça bege foi o look escolhido por ambos para provar do dissabor de desfrutar de algo que saiu exatamente como imaginado, mas que deveria ter sido apenas um encontro fantasiado, frustrado após tanta provocação. Assim, teríamos voltado para casa descontentes, evitando provocar nós mesmos histórias que desvalidassem tamanha sintonia e querer. Acabou. Por tempos me culpei por ter saído de casa naquele dia. Era só ter continuado apenas na provocação distante. Mas quem eu quero enganar? É preciso viver para que não venhamos a morrer frustrados, magoados com a nossa falta de coragem e disposição para sentir. Seja lá o que as nossas aventuras nos levem a sentir, é preciso reverenciá-las. Sentir é sagrado.
Se o desejo aparece inesperadamente e começa a fazer morada, é melhor conversar com as possibilidades da sua realização. Se tudo terminar em frustração, mesmo com prévias que provocam gargalhadas, ótimo. Estamos vivos. Estamos à mercê dessa caminhada na Terra, somos mais comuns do que imaginamos. Temos histórias que provocam confusões e incoerências. Ufa.
Livros provocativos tiram o fôlego de quem os lê. Cabe a você decidir se você vai escolher aquele tipo de escrita morna, de um sentimento só, ou vai topar escrever histórias que podem levar para mergulhos totalmente ambivalentes, inesperados, cheios de dias impensáveis.
Tenha coragem para fazer começos bem gostosos. Se no meio do caminho for chegando uma despedida desgostosa, se lembra de não prolongar o desgosto. O gosto do que foi gostoso merece ficar na sua boca.
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